Trabalho
sobre o conto Missa do galo, do
escritor Machado de Assis sob a perspectiva da personagem D. Inácia.
No silencio da noite de natal.
Como era de costume, todas as noites nós nos
recolhíamos às dez horas e às dez e meia toda a casa já dormia num silencio
sepulcral; no entanto, eu apenas dormitava, pois tinha o sono muito leve e o mesmo ocorria com a minha filha Conceição. Morávamos num casarão antigo na
rua do Senado; uma rua pouco movimentada no centro da cidade. Podia ser que a
visão deste mausoléu a noite metesse medo nos desavisados transeuntes, mais
pelas sombras das árvores no entorno que pelo aspecto de casa assombrada.
Éramos seis: a minha filha conceição de
quem a pouco tratei, moça ainda, na casa dos trinta anos, o meu genro Meneses, um
conceituado escrivão, um rapazola de dezessete anos, parente da falecida esposa
deste, que viera de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar
preparatórios e que se chamava Nogueira, mas formalmente o tratávamos por Sr.
Nogueira e por último, completando nossa pacata família conosco habitavam duas
escravas. Vivíamos bem.
Os dias transcorriam sem maiores acontecimentos
ou aborrecimentos, aliás, quando surgiam inesperadamente, é mister dizer que eram
em tudo irrelevantes. Aconteceu que sendo uma destas noites, a noite de natal,
o mancebo resolveu que iria assistir a missa do galo na corte juntamente com um
vizinho e já haviam inclusive marcado a hora para saírem, uma vez que a missa
começava a meia noite como era a praxe católica.
Assim ficou combinado que o colega
dormiria e seria chamado por ele na hora da saída com leves batidas na janela
de sua casa que era muito próxima a nossa. Pelo menos esta foi à informação que
ele nos passou durante o jantar e pelo que eu pude perceber devido a sua
animação e imaginação um tanto fértil, aquele seria um grande evento em sua
vida. No meu canto da mesa reparando aquela cena enquanto mastigava molemente,
eu pensava com os meus botões: são tudo novidades em sua vida agora, por ser
ele moço e de roça.
Era quieto e muito dado às leituras, pois
sempre nos deparávamos com ele pela casa a ter sempre um livro em mãos, e até
em outros momentos, quando dávamos por sua falta, o sabíamos trancado em seu
quarto deleitando-se com os romances e livros de aventuras, além dos prescritos
pelos mestres. Quanto à tão sonhada missa, nós podíamos mesmo supor que o rapaz
ansiava por demais vislumbrar a beleza de uma celebração singular, já que seria
em tudo diferente das missas celebradas no campo.
Terminado o jantar ele fora ao seu quarto
aguardar o momento e imaginei que novamente o livro seria o companheiro ideal
para que o sono não o perturbasse e afugentasse a sua sacra empreitada. Eu o
admirava por sua postura cordata e apreço aos estudos, o que também era percebido
pelos demais da casa e vale ressaltar aqui a sua forma discreta de lidar com
certas situações. Via-se nele o modelo de um precoce gentleman e dele não diriam as más línguas, tratar-se de algum
provinciano ao algo do tipo, mas alguém de fina estirpe. A sua figura de uma
simplicidade elegante dispensava comentários.
Afoito para adentrar a noite cultural da
cidade, certa vez cogitou acompanhar o meu genro ao teatro, já que este o fazia
uma vez por semana. Na ocasião, após breve insistência e olhares e risos das
escravas, chegou aos seus ouvidos que o “teatro” em questão não passava de um
embuste do Meneses para ter com uma amante, uma mulher separada do marido que
morava não muito longe de nós. Fato este, que outrora deixara minha filha
contrariada, mas que após os meus conselhos preciosos, ela acabou por aceitar e
resignar-se a esta condição. O que de certa forma era cômodo para nós duas, pois
onde mais haveríamos de morar caso ela levasse este aborrecimento adiante?
Como já era esperado, nesta noite em
especial, o meu “ilustre” genro após o jantar iria ter com sua concubina, assim
não nos restava alternativa a não ser nos recolhermos aos nossos aposentos. O
silencio imperava sobre a casa. Antes de ir para o meu quarto depois de um
longo dia, fiz o que fazia de hábito todas as noites após conferir as portas e
janelas: fui à cozinha servir-me de um xícara de chá de camomila. Tudo estava
arranjado. O mancebo levaria uma chave consigo, a outra ficara a porta e o
Meneses não que se separava da sua a trazia no bolso do colete. Pus-me deitada,
mas um ruído e a falta de sono me fizeram levantar e ir á janela observar a
noite que já ia alta. Como eu havia citado no inicio, tanto eu como a minha
filha tínhamos o sono muito leve por qualquer barulho menor que fosse ele, nos tirava
a vontade de dormir por completo.
O ruído que me chamara à atenção vinha da
sala de estar. Um burburinho de vozes quase imperceptíveis. Vozes conhecidas.
Levantei devagar e fui cautelosamente à direção da copa sem fazer nenhum
barulho, a tempo de ver pela fresta de uma das portas de passagem, a minha
filha que proseava com o rapazola numa conversa um tanto íntima e talvez pela
hora não muito conveniente a sua condição de casada.
A conversa mesma não passava de
trivialidades, pois a minha filha naquele momento falava da decoração da casa. É
certo que esta cena vista por outrem, poderia talvez suscitar falatório
maldoso. No meu papel de mão cautelosa sai devagarzinho passando a cozinha e destravando
a portinhola sem fazer barulho algum e na tênue escuridão segui em direção a
janela do nosso visinho. A hora era chegada. Bati levemente três vezes. Ouvi
que passos se adiantavam à porta. Recuei pelo mesmo caminho voltando à cozinha
e depois ao meu quarto. Era chegado o sono.
Antonia Renê A. Cleons
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