16 de jul. de 2013

Prática de produção textual



Trabalho sobre o conto Missa do galo, do escritor Machado de Assis sob a perspectiva da personagem D. Inácia.

No silencio da noite de natal.
      Como era de costume, todas as noites nós nos recolhíamos às dez horas e às dez e meia toda a casa já dormia num silencio sepulcral; no entanto, eu apenas dormitava, pois tinha o sono muito leve e  o mesmo ocorria com a minha filha Conceição. Morávamos num casarão antigo na rua do Senado; uma rua pouco movimentada no centro da cidade. Podia ser que a visão deste mausoléu a noite metesse medo nos desavisados transeuntes, mais pelas sombras das árvores no entorno que pelo aspecto de casa assombrada.
      Éramos seis: a minha filha conceição de quem a pouco tratei, moça ainda, na casa dos trinta anos, o meu genro Meneses, um conceituado escrivão, um rapazola de dezessete anos, parente da falecida esposa deste, que viera de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios e que se chamava Nogueira, mas formalmente o tratávamos por Sr. Nogueira e por último, completando nossa pacata família conosco habitavam duas escravas. Vivíamos bem.   
    Os dias transcorriam sem maiores acontecimentos ou aborrecimentos, aliás, quando surgiam inesperadamente, é mister dizer que eram em tudo irrelevantes. Aconteceu que sendo uma destas noites, a noite de natal, o mancebo resolveu que iria assistir a missa do galo na corte juntamente com um vizinho e já haviam inclusive marcado a hora para saírem, uma vez que a missa começava a meia noite como era a praxe católica.
      Assim ficou combinado que o colega dormiria e seria chamado por ele na hora da saída com leves batidas na janela de sua casa que era muito próxima a nossa. Pelo menos esta foi à informação que ele nos passou durante o jantar e pelo que eu pude perceber devido a sua animação e imaginação um tanto fértil, aquele seria um grande evento em sua vida. No meu canto da mesa reparando aquela cena enquanto mastigava molemente, eu pensava com os meus botões: são tudo novidades em sua vida agora, por ser ele moço e de roça.
     Era quieto e muito dado às leituras, pois sempre nos deparávamos com ele pela casa a ter sempre um livro em mãos, e até em outros momentos, quando dávamos por sua falta, o sabíamos trancado em seu quarto deleitando-se com os romances e livros de aventuras, além dos prescritos pelos mestres. Quanto à tão sonhada missa, nós podíamos mesmo supor que o rapaz ansiava por demais vislumbrar a beleza de uma celebração singular, já que seria em tudo diferente das missas celebradas no campo.
    Terminado o jantar ele fora ao seu quarto aguardar o momento e imaginei que novamente o livro seria o companheiro ideal para que o sono não o perturbasse e afugentasse a sua sacra empreitada. Eu o admirava por sua postura cordata e apreço aos estudos, o que também era percebido pelos demais da casa e vale ressaltar aqui a sua forma discreta de lidar com certas situações. Via-se nele o modelo de um precoce gentleman e dele não diriam as más línguas, tratar-se de algum provinciano ao algo do tipo, mas alguém de fina estirpe. A sua figura de uma simplicidade elegante dispensava comentários.
     Afoito para adentrar a noite cultural da cidade, certa vez cogitou acompanhar o meu genro ao teatro, já que este o fazia uma vez por semana. Na ocasião, após breve insistência e olhares e risos das escravas, chegou aos seus ouvidos que o “teatro” em questão não passava de um embuste do Meneses para ter com uma amante, uma mulher separada do marido que morava não muito longe de nós. Fato este, que outrora deixara minha filha contrariada, mas que após os meus conselhos preciosos, ela acabou por aceitar e resignar-se a esta condição. O que de certa forma era cômodo para nós duas, pois onde mais haveríamos de morar caso ela levasse este aborrecimento adiante?
     Como já era esperado, nesta noite em especial, o meu “ilustre” genro após o jantar iria ter com sua concubina, assim não nos restava alternativa a não ser nos recolhermos aos nossos aposentos. O silencio imperava sobre a casa. Antes de ir para o meu quarto depois de um longo dia, fiz o que fazia de hábito todas as noites após conferir as portas e janelas: fui à cozinha servir-me de um xícara de chá de camomila. Tudo estava arranjado. O mancebo levaria uma chave consigo, a outra ficara a porta e o Meneses não que se separava da sua a trazia no bolso do colete. Pus-me deitada, mas um ruído e a falta de sono me fizeram levantar e ir á janela observar a noite que já ia alta. Como eu havia citado no inicio, tanto eu como a minha filha tínhamos o sono muito leve por qualquer barulho menor que fosse ele, nos tirava a vontade de dormir por completo.
      O ruído que me chamara à atenção vinha da sala de estar. Um burburinho de vozes quase imperceptíveis. Vozes conhecidas. Levantei devagar e fui cautelosamente à direção da copa sem fazer nenhum barulho, a tempo de ver pela fresta de uma das portas de passagem, a minha filha que proseava com o rapazola numa conversa um tanto íntima e talvez pela hora não muito conveniente a sua condição de casada.
     A conversa mesma não passava de trivialidades, pois a minha filha naquele momento falava da decoração da casa. É certo que esta cena vista por outrem, poderia talvez suscitar falatório maldoso. No meu papel de mão cautelosa sai devagarzinho passando a cozinha e destravando a portinhola sem fazer barulho algum e na tênue escuridão segui em direção a janela do nosso visinho. A hora era chegada. Bati levemente três vezes. Ouvi que passos se adiantavam à porta. Recuei pelo mesmo caminho voltando à cozinha e depois ao meu quarto. Era chegado o sono. 

Antonia Renê A. Cleons

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